Monday, August 31, 2009

Escuridão




Num momento a luz se desfez
as trevas densas decretaram escuridão
e na presunção de quem quer prevalecer
o breu assentou pedras e argamassas
para impedir a luz de renascer...

E a multidão como cegos se tornaram
tateando entre paredes invisíveis
e caminhando sem saber se havia chão.
ou qualquer saída para tal desolação.

E como a cegueira ensaida do escritor (*)
sem ver, cada um tentava o seu favor
nem coração e nem paixão os inspiravam
e a religião não consolava o estupor
que a escuridão impunha, revelando toda dor.

Buscavam meios de encontrar uma saída
cada um em busca de si mesmo
enquanto no escuro
de uma eterna noite sem estrelas
o pior e o melhor deles aflorava
despindo a emoção que incomodava.

Até que a escuridão tornou-se um hábito
Ninguém via, mas já não importava
aprenderam a viver na solidão
e esqueceram a claridade
habituados que estavam à escravidão.

E quando luz finalmente resplandeceu
Era tão forte e estonteante que brilhava
e ofuscava olhos cansados de não ver
mas que preferiam continuar cegos
do que deixar a luz prevalecer.

Afinal era mais fácil a servidão
do que a rectidão
que a luz lhes revelava
mudar o rumo e deixar cair a escama
e renascer das densas trevas
que escondiam toda lama.

Mas para quem acreditou que a luz era possível
um Caminho dantes quase inatingível
se revelou renovando a esperança
mostrando das trevas toda a devassidão
e da luz toda a sua imensidão.

"Nele estava a vida e esta era a luz dos homens. A luz brilhava nas trevas, e as trevas não a derrotaram". (João 1:4,5)

Arlete Castro
29/08/2008



(*) Alusão ao "Ensaio sobre a Cegueira" de José Saramago

Thursday, August 27, 2009

Agosto



Surpreende-me este mês. Olho ao redor e vejo o sol a bilhar em toda parte e este ar de descanso no rosto de muitos, que vem com as férias de verão.

As praias por sua vez estão repletas de gente. O mar vai se achegando na encosta, banhando com suas aguas, ora fresquinhas, ora geladas, o corpo e os sonhos da gente. Faz sorrir a criança pequena e ri também de certeza, das peles bronzeadas ao sol, das gordurinhas a vista, do viver em família, dos amores, da solidão e daqueles que estão a andar por ali apenas pelo ganha pão.

Mas não ri como se zombasse. Porque ele já cá anda há tanto tempo, que penso que ele ri como se também brincasse, com esta gente que vem e que vai, aproveitando o calor destes dias efémeros, como suas ondas que vem e que vão.

E porque é Agosto, mês em que tudo fica um pouco vazio, é que olho o vazio que passa despercebido por nós, na correria dos dias, na azáfama de prevalecer, encontrar espaço, fazer…

E vamos, a medida que a correria se estabelece, tentando preencher este vácuo em busca da fonte de vida, mas sem tempo para deixá-la nos envolver.

Não há tempo para a raiz dos afectos. Afectados que somos pela urgência que a pena do tempo teima em escrever. Corremos em direcção a alguma coisa que parece inalcançavel, mas que nos acorda de manhã e finge que nos impulsiona a viver.

Somos afagados pelos elogios insanos que inflamam o desejo de ser, mas que afinal são tão efémeros como o tempo que não tem pena da pena que escreve sem saber.

Surpreende-me sempre este mês de Agosto, pois entre o bronzear da pele, a respiração compassada e profunda de quem para um bocadinho, continua o vazio quieto, a espera para tentar de novo prevalecer.

Agosto faz-me lembrar de pausa. Mas pausa de quê se a ansiedade continua latente e as prateleiras a nossa volta continuam a oferecer sonhos enlatados e esperança topo de gama?

Olho o oceano de novo e as ondas que tocam suavemente a areia da praia. É fim de tarde e uma brisa suave sopra de mansinho. O sol aos poucos vai cedendo lugar ao encanto do anoitecer. Meu coração se enternece só de pensar que mãos eternas desenharam esta paisagem. É verdade, este encanto já cá anda há tanto tempo e quase nem percebemos que a Fonte de Vida passeia pela arte por Ele mesmo pintada. As vidas que por aqui tem passado, são como nuvens que vem e logo se dissipam, mas Ele nos presenteia com Graça, não aquela que se expõe nas prateleiras da vida, prontas para consumo, mas a Graça que alcança a raiz dos afectos, o coração do homem e derrama vida… eterna.

Falta-nos ver.

Arlete Castro

Agosto - 2009

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Saturday, August 1, 2009

A Flutuar na Graça



Sinto-me a flutuar na Graça
olhos suspensos
felizes
olhos que confiam nos olhos
de quem está em cima

sinto-me a mergulhar na Suficiência
graciosamente nu
assumo todas as bolhas
desta fraqueza
e cedo o controle.

Brissos Lino
30/7/09

Monday, July 13, 2009






Poema escrito depois da leitura de "Feridos em Nome de Deus" de Marília de Camargo César" Leitura que recomendo.


Feridos

I Acto

sou como um andarilho.
maltrapilho, busco encontrar
o Caminho por onde andei.

meu coração pulsa no peito acelerado,
atrás do escudo que esconde a cicatriz
e disfarça enquanto junta os pedaços
do eu dilacerado,
que se alimenta esfomeado
da decepção que me corre nas veias.

teia que me prende a uma dor sem nome,
mas que me consome e faz ofuscar
a luz que dantes até me fez voar.

a minha alma transborda à sangue derramado
mas oculto pela incerteza
de quem confiou a vida e o coração
ao homem por Deus designado,
apaixonado por soberana vocação.
que ilusão!


II Acto

sou também um andarilho
maltrapilho, busco encontrar
o Caminho por onde andei.

ultrapassei limites.
pensando que cuidava... centralizei.
confundi poder com unção,
zelo com manipulação... abusei.

meu coração também bate acelerado.
as minhas marcas se prendem a solidão
das sombras que norteiam minha alma,
cansada da minha própria insensatez.

vou peregrino nesta estrada que conheço,
peso meus passos atordoado
por tamanha embriagues.
atrás de mim deixo um púlpito vazio
e o desejo de acertar uma outra vez.


III Acto

ouço o clamor dos teus lábios.
vejo o escudo que esconde a cicatriz
e os pedaços da tua vida,
decepção que incendeia
e semeia dor, ofuscando a minha luz.
olha pra mim...


vejo ainda o teu eu dilacerado
perdido no Caminho que conheces
e a unção guardada num pote aí ao lado
enquanto olhas para traz atarantado
sem ver que a tua frente, há o vazio da minha cruz.
olha pra mim...


levantem do lugar onde caíram
vejam a graça que transborda das minhas veias
teias de amor que acolhem toda dor,
a chave certa pra qualquer encarcerado
perdão completo, boas novas...
vida plena em seu favor.

prestem atenção ao Caminho
tirem as pedras que engessam a sua estrada
partam o pão da comunhão que lhes é dado
bebam do vinho da alegria e celebrem
em cada canto, em cada casa
sou eu em vós... o livramento.

Arlete Castro
10.07.2009

Thursday, July 9, 2009


Poema Baseado na Obra de Sergio Fingermann "Elogio do Silêncio" exposta no Museu Oscar Niemeyer em Curitiba e que tive oportunidade de visitar

Silêncio

Ontem ouvi o silêncio
Ele não dizia palavra
mas dançava...
ao meu redor rodopiava
e soprava-me ao ouvido
um gemido...

Ontem o silêncio bailava
ao som de uma música
que só ele ouvia
e dissipando meus sons
com suas mãos
tocou o compasso
acelerado do peito
e sussurrou-me ao ouvido
aquietai...

Transformou-se num verbo
o silêncio
flutuando entre barulhos reais
calou a voz do tempo apressado
e aos meus apelos fez sinais

E o silêncio sábio
emudeceu a palavra vã
vestiu-se de arte
emoldurou-se
e me encontrou a alma
o meu eu feroz e ocupado
fragmentado
encolhido atrás do peito
mas com vontade de voar

Ontem meu eu dançou com o silêncio
criou asas...
reaprendeu a voar.


Arlete Castro
19.06.2009

Tuesday, February 24, 2009

Volúvel Pós-Modernidade


Volúvel Pós-Modernidade

Tu que andas por aí
perdida em emoções que não conheces
vê se cresces
porque descrente,
tu vais te tornar ainda mais doente
ao transformar o outrora singular
em plural que se vende
e mente sem nunca se encontrar.

Tu que és fruto
do que dantes foi moderno
és cidadã do mundo,
não tens pátria
nem pertences,
arrebata e vais em frente
sem sequer saberes andar.

Vilã e heroína,
vais te perdendo em cada esquina
nas prateleiras de ofertas repentinas,
que te levam ao afã de consumir
e gerir o teu destino
oh! que desatino!
que vontade de voltar
e ir ao encontro do lar!

Volúvel,
Tu te entregas
aos prazeres do momento
enquanto choras
no teu quarto escondida,
máscaras da vida
que te deram pra usar.

E a medida que secularizas a ferida
tu te negas e arrebatas
dizes que és livre e intocável
mas caminhas solitária
finges até saber voar,
enquanto teus pés desprotegidos
pisam o solo efêmero
da tal pós-modernidade
que só tem idade pra o midiático*
dar-te a desfrutar.

Menina,
então não vês
que o que desejas é o abrigo
e o aconchego
de quem te proteja do perigo,
porto seguro e referência,
um colo amigo
que toca a alma e emoção
e mostra-te,
para além do vento passageiro,
que, corriqueiro,
só faz calar coração?

Perdida,
volta para o lugar de onde saíste,
estás cansada,
embriagada deste mundo,
que de tão fundo
não te deixa respirar.

Vem, que há um Caminho a tua espera,
há uma saída para tua solidão,
abranda esse século acelerado
e deixa aflorar ternura e acalanto,
enquanto mãos eternas
enxugam o teu pranto...


Arlete Castro
Portugal
Janeiro - 2009
Arco Íris

Era um dia qualquer
chovia tanto que apetecia ficar
mas o quotidiano impunha-se
ele nos apressa a trabalhar

Era uma manhã sem muitas cores
e eu conduzia devagar
o frio arrepiava a emoção
que calada esperava
para poder me despertar.

Eram notas soltas no ar
de uma canção que eu nem ouvia
enquanto me perdia
entre gente ocupada,
apressada, sem ver…
e a chuva não perdoava
alagava as ruas,
e calava a sensação
de que muito mais havia
do que apenas a sinfonia
das gotas de chuva
inundando meu chão.

Era tudo muito igual
até que num instante
o sol mostrou sua cor
e no meio da chuva fria
sorriu-me um bom dia
e um arco-íris
em sua tela pintou.

Era um toque de Deus
mostrando seu esplendor
transformando um dia qualquer
na certeza do cuidado
de cercar com sua presença
o meu dia a dia cansado.

Sorri de volta pro sol
enquanto orava baixinho
por reconhecer
que as cores se criam
a cada amanhecer.

Arlete Castro
07 de Fevereiro de 2009