Wednesday, September 19, 2012

 
 
Acções de Graça

Que o meu andar seja firme
não porque sei andar
mas porque a Rocha
que me sustém dá-me asas,
ampara e me incentiva o caminhar...

Que o meu olhar veja o belo
mesmo no meio da aflição
não porque ignoro a dor
mas porque a Convicção
que me molda os dias
mostra-me que há outras cores
e flores para além da minha visão.

Que a minha boca fale a verdade
mesmo quando não houver saídas
não porque não sei mentir
mas porque a Vida que me traduz
é tão arraigada no meu peito
e me toca a alma
e transforma o espírito
que é impossível resistir...

Que o meu coração saiba abrandar
mesmo quando  não houver luz
não porque o medo se foi embora
mas porque a Fé que me gere a vida
dirige-me os passos e dissipa as trevas
e traz-me de volta
a certeza de Quem me conduz.

Que  as minhas acções sejam de graça
não porque ignoro o mal
mas porque a Graça que me alcançou
viu em mim asas onde havia medo
diferentes cores onde prevalecia o cinza
coragem por trás de um coração descompassado,
acelerado...
e vida onde dantes havia um vale
de ossos secos...

Arlete Castro



RETRATO

O seu olhar tinha um brilho
que nem toda gente via
era preciso  prestar atenção
 para ver nele desenhado um sorriso.

O seu rosto iluminava,
mas só quem olhava de perto
conseguia  perceber o brilho...

A pele tinha suas marcas,
umas vincadas, outras nem tanto
sulcos da sua história, desenhados  na face
escondiam lágrimas,sorrisos
e os medos que a vida leva e traz.

Os cabelos moviam-se no compasso do vento
e o seu olhar atento perambulava à sua volta
capaz de perceber detalhes,
e com gestos pequenos
tocar o que mais ninguém via.

As suas mãos eram hábeis
E tinham nelas o poder de acariciar
Moldar o improvável , tocar...
E enquanto lidavam com a vida
Desenhavam letras,
Que fugiam aos dedos
e tocavam o céu.

Os seus braços eram só amparo
neles ela construiu um ninho
acolheu seus filhos,
amparou o amigo
enxugou lágrimas que nem se quer sabia
e neles ela também se deu.

No seu corpo ela conheceu o amor
aquele que toca o infinito
que transforma o que é natural
em vínculo capaz de unir a alma,
fazer de dois um
e se perpetuar...

Os seus pés aprenderam a caminhar
e desde que souberam
nunca mais quiseram parar
e no seu retrato pintado com tanta dimensão
só quem olha bem de perto
e presta mesmo atenção
consegue perceber o brilho
a pele que ilumina
a emoção escondida em cada tragetória
e a história de tantos lugares,
tanta gente contida
num  simples retrato de mulher.

Arlete Castro
08.03.2012



A pele que há em mim
esconde-me
ela aprendeu a disfarçar
guarda sonhos
guarda viagens imaginárias,
cheiros, sabores
vida...

A pele que há em mim
mostra-me
ela sabe desenhar sorrisos
mas ainda não aprendeu a me descrever
porque as letras que ela conhece
disfarçam,
brincam com a vida que roubam
enquanto ela, a pele,
estica-se toda
a fingir me conhecer...

A pele que há em mim
traz vida entranhada
nas suas marcas,
nas estrias deixadas
legado das vidas geradas
marcas do amor
tatuadas no coração...

A pele que há mim
esconde um eu que relaxa em casa
sem maquilhagem, sem cores,
sem o escape dos brilhos frágeis
das opiniões, e dos dissabores
na quietude que desfaz as máscaras
e descansa...

Mas o eu que há em mim
aprendeu a abrir janelas
cansou do  ideal
rasgou a pele
desfez amarras
afinal encontrou o colo
certeza do eu real
frágil por vezes
outras gigante
mas sempre...

 Eu.

Arlete Castro
Maio - 2012
Foto by Andrea Sepúlveda
Andanças

Lá vai ela e seu coração de menina
por vezes acelera seu andar ansioso
e apressado, ultrapassa, descompassa

La vai ela, e seu sorriso iluminado
esconde um anseio arraigado de sonho esperado,
num misto de infância e suas convicções de mulher

como procurasse saber mais
como quisesse mais que saber
como buscasse a resposta além do ser

La vai ela. E a tímida mão estendida
pouco percebe que é sua a lua que a acolhe
e, quando percebe, quase consegue tocar estrelas ...

Acima dos Homens, acima das farturas e fomes
a acarinha uma luz inatingível, só permitida ao olhar
tangível à Fé, e que é razão para a própria vida

La vem Ele, que sempre esteve dentro
e enquanto o sol troca de luz com a lua
Ele desenha no céu o Caminho...

Mauro Veras e Arlete Castro

Monday, September 20, 2010

Busca


Cirando em busca de mim mesma
chamo-me a mim identidade
mas o retrato amarelado
já não me mostra mais…
e se desfaz entre as letras
escritas no passado empoeirado
que não traduz meu nome.

Olho pela fresta na janela
e clamo pela cor amarela
que adentra meu recinto
invade o eu que não sinto
e traz nos raios um misto
de saudade e esperança
que dançam para mim.

Mas mesmo assim
desfaço-me em fortalezas,
a emoção já não seduz
e este sonhar teimoso
já não é o que me traduz.

Fujo do eu que não conheço
deixo meu olhar sozinho
e escondo-me protegida
enquanto a alegria
passa em vão por minha vida.

Porém, esta conjunção teimosa
insiste em me fazer voltar
mostra-me o belo
e os meus olhos chamam por mim.

Toco a margarida que acabou de aflorar
Ela é tão branca e amarela!
perdida entre os verdes do quintal
sem dizer nada, mostra-me a vida
e chama-me a esquecer o temporal.

Cirando em busca da Verdade
ando a procura da minha identidade
rendo-me aos meus olhos
e ao que eles querem ver
e ainda trémula
sopro a poeira dos meus sonhos,
encontro a Rocha
que desfaz as fortalezas,
revela-me o eu que reconheço
enquanto a saudade e a esperança
insistem em me fazer dançar.

E o meu eu deixa-se por fim levar
dança comigo, me refaz
e entre passos indecisos
pouco a pouco,
posso outra vez acreditar!

Arlete Castro
03.11.2008

Sunday, July 25, 2010

Além da Liberdade




"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada." Clarice Lispector


Sim, eu quis ser livre.
olhei o mundo que dantes só via através duma fresta
moldado pelo limitação de um parapeito

e fui embora
deixei o medo covarde e saí dali pra fora…

Mas cedo percebi a sedução
da tal liberdade palpável
que me despertava a emoção

mas que não me dava asas
e era aquém do que eu imaginava


Descobri até nos sonhos meu limite

moldado pelo inconsciente aprisionado

desejoso apenas do que consta verdadeiro

tal qual o parapeito da janela no passado

que buscava seu sentido
no esvoaçar de um cortinado.

Por isso não nomeio o que desejo

hoje ele vai além da liberdade que tive

e descobri tão limitada,

concreta demais para preencher

esse querer que me transcende…

Assim quero uma verdade que se invente

e produza algo mais que coragem

de viver para além de uma janela

mas ultrapasse e se construa sem limites…

tal qual a chama que consome a vela.

Arlete Castro
Portugal

Friday, July 16, 2010

Camuflada


"O Poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor... a dor que deveras sente" Fernando Pessoa



É tão complexo meu fingimento
Que se quer vejo a verdade que ele esconde
Tão disfarçada e atarefada
Em aquietar meu peito e refazer o leito delator

É tão vincada a dor que agora sinto
Que confundo-a com meu nome
Engano e finjo que a dor sou eu
Enquanto forjo versos repletos de paixão
Que sem a dor são apenas rimas
Onde escondo meu coração acelerado
Sem perceber que são meus versos
que me revelam fingidor

Confesso um sonho inacabado
Sou capaz de despertar a emoção
Danço conforme a inspiração
Faço versos, descrevo meus sentidos
Mas a dor que deveras sinto
Continua aqui…
camuflada em ilusão.

Arlete Castro
Março de 2010